"O túmulo adotivo de Freda" — conto de Lucy Maud Montgomery
- rafatraduzblog
- 12 de jul.
- 7 min de leitura
Olá, leitor!
Aqui você vai encontrar a minha tradução do conto “Freda's Adopted Grave”, publicado pela autora Lucy Maud Montgomery em 1904. A obra original está em domínio público e pode ser acessada no site do Project Gutenberg, clicando no link.
Espero que goste da leitura!

O túmulo adotivo de Freda
de Lucy Maud Montgomery
Tradução de Rafaela Schelbauer Wendt
North Point, onde Freda vivia, era o povoado mais sem vida do mundo. Isso, mesmo os seus habitantes, que o amavam muito, tinham de admitir. Os ventos do nordeste varriam a baía assobiando e sopravam bruscamente pela longa colina que descia até ela, devastando tudo o que estivesse em seu caminho. Somente os fortes abetos e píneas conseguiam resistir a eles. Por causa deles, não havia pomares, bosques ou jardins floridos em North Point.
Logo acima da colina, em um vale protegido ao sudoeste, ficava a igreja de North Point e, atrás dela, um cemitério, o local mais bonito que havia no vilarejo e em suas redondezas. Os habitantes de North Point amavam flores. Como não podiam tê-las em suas casas, plantavam-nas no cemitério. Era uma questão de orgulho para cada família manter seu lote perfeitamente aparado, capinado e adornado de lindas flores.
Era uma das regras tácitas daquela pequena comunidade que, em um dia específico de maio, todos deveriam reunir-se no cemitério para plantar, aparar e podar. Não era uma tarefa desagradável, mesmo para aqueles cujo luto era recente. Parecia que estavam fazendo algo pelos amigos que haviam partido ao fazer de suas sepulturas um lugar belo.
Quanto às crianças, elas esperavam ansiosamente pelo "Dia do Cemitério" como um prazeroso feriado que dividia as honras de primavera com a pesca de arenque.
— Amanhã é o Dia do Cemitério — disse Minnie Hutchinson durante o recreio na escola, quando todas as meninas estavam sentadas em uma cerca. — Eu não poderia estar mais feliz! Consegui a roseira branca mais adorável para plantar no túmulo da vovó Hutchinson. O tio Robert a enviou da cidade.
— Minha mãe tem dez nardos para plantar — contou Nan Gray com orgulho.
— Nós vamos plantar um canteiro de lírios em volta do nosso lote — Katie Morris comentou.
Todas as meninas tinham algo para se gabar, todas, exceto Freda. Freda sentou-se sozinha em um canto e sentiu-se miseravelmente fora de tudo. Ela não tinha lote nem função no Dia do Cemitério.
— Você vai plantar alguma coisa, Freda? — perguntou Nan, piscando para as outras.
Freda balançou a cabeça em silêncio.
— Freda não pode plantar nada — disse Winnie Bell, involuntariamente cruel. — Ela não tem um túmulo.
Naquele momento, Freda sentiu que não possuir um túmulo era uma desgraça e um crime, como se não ter nenhuma sepultura no cemitério de North Point fizesse de alguém um pária para todo o sempre. E era isso o que acontecia em North Point. As outras meninas tinham pena de Freda, mas ao mesmo tempo a menosprezavam com a complacência daqueles que nasceram em uma família com um bom patrimônio de túmulos e possuíam um direito inquestionável de celebrar o Dia do Cemitério.
Freda sentiu que sua xícara de infelicidade estava cheia. Ela sentou-se miseravelmente na cerca enquanto as outras garotas saíam brincar e caminhou para casa sozinha à noite. Sentia que não aguentaria por muito mais tempo.
Freda tinha dez anos. Quatro anos antes, a Sra. Wilson a havia tirado do orfanato da cidade. A Sra. Wilson vivia no lado da colina oposto ao cemitério e todos em North Point chamavam-na de doida. Sentiam pena de qualquer criança que adotasse, diziam. Trabalharia até morrer e seria tratada como uma escrava. No começo, haviam perguntado à menina como a Sra. Wilson a tratava, mas Freda não revelara nada. Ela era uma garotinha quieta, com grandes olhos escuros e melancólicos que possuía o desconcertante hábito de encarar os fofoqueiros até deixá-los constrangidos. Se Freda, no entanto, estivesse disposta a reclamar, o povo de North Point teria descoberto que suas suposições estavam mais do que corretas.
— Sra. Wilson — Freda disse timidamente naquela noite. — Por que não temos um jazigo?
A Sra. Wilson declarou que aquela questão lhe dava arrepios.
— Você deveria ser muito grata por não termos um — ela disse severamente. — O Dia do Cemitério é uma tradição pagã, de qualquer maneira. É apenas uma desculpa para fazer um piquenique e fico enjoada só de ouvir aquelas garotinhas conversando sobre o que vão plantar, cada uma delas querendo superar a outra. Se eu tivesse um túmulo lá, não faria um jardim!
Freda não foi ao cemitério no dia seguinte, apesar de ser feriado. Mas, à noite, quando todos haviam ido para casa, ela se esgueirou acima da colina e através do bosque de faias para ver o que os outros haviam feito. Os lotes estavam todos limpos e belamente arrumados com plantas e bulbos. Algumas plantas perenes já estavam brotando. O túmulo do tio-avô de Kate Morris, que havia falecido há mais de quarenta anos, estava coberto de amores-perfeitos roxos. Todos os túmulos, não importava o quão pequenos ou velhos, estavam em boas condições, exceto um. Freda o encontrou com um sentimento de surpresa. Ele ficava longe, em um local mais baixo e afastado, onde não havia outros lotes. Uma vegetação de álamos o isolava dos demais e arbustos de mirtilos cresciam sobre ele. Não havia lápide e parecia tristemente negligenciado. Freda sentiu simpatia por ele. Ela não possuía um túmulo e ele não tinha ninguém que se importasse ou cuidasse dele.
Quando voltou para casa, perguntou à Sra. Wilson a quem ele pertencia.
— Humpf! — disse a Sra. Wilson. — Se você tem tempo de sobra para perder andando por aí, devia usá-lo para costurar, em vez de ficar vagando pelo cemitério. Você espera que eu me mate de trabalhar fazendo roupas para você? Queria ter te deixado no orfanato. O túmulo é do Jordan Slade, suponho. Ele morreu há vinte anos e que inútil patife bêbado ele era. Cumpriu uma pena na penitenciária por ter invadido a loja do Andrew Messervey e depois teve a cara de pau de voltar à North Point. Mas pessoas respeitáveis nunca se misturariam com ele e desmoronou completamente — teve que ser enterrado em caridade quando ele morreu. Ele não tem ninguém aqui. Ele tinha uma irmã, uma menina de dez anos que vivia com os Cogswells em East Point. Depois que Jord faleceu, algumas pessoas ricas a viram e ficaram tão deslumbradas com a sua beleza que a levaram para longe. Não sei o que aconteceu com ela e não me importo. Vá e traga as vacas.
Quando Freda foi para a cama naquela noite, estava decidida. Ela adotaria o túmulo de Jordan Slade.
Desde então, Freda passava o seu escasso e precioso tempo livre no cemitério, aparando os arbustos de mirtilos e as longas, emaranhadas gramíneas do túmulo com um par de tesouras enferrujadas, que enchiam suas mãos de bolhas, e trazendo samambaias da floresta para plantar perto dele. Havia implorado por uma muda de heliotrópios de Nan Gray, uma moita de lírios-de-um-dia de Katie Morris, uma roseira de Nellie Bell, algumas sementes de amores-perfeitos da velha Sra. Bennet e um broto de gerânio da irmã mais velha de Minnie Hutchinson. Plantara, capinara e regara tudo religiosamente, e seus esforços foram recompensados. "Seu" túmulo logo ficou tão bonito quanto qualquer outro no cemitério.
Ninguém além de Freda sabia sobre ele. Os álamos mantinham o local fora de vista e todos haviam esquecido o túmulo do pobre e infame Jordan Slade. Pelo menos, era o que parecia. Mas em uma noite, ao descer para o cemitério com uma lata de água e contornar os álamos, Freda viu uma senhora parada perto do túmulo — uma senhora desconhecida vestida de preto, com o rosto mais adorável que ela já havia visto e lágrimas em seus olhos.
A mulher teve um pequeno sobressalto quando viu Freda com sua lata de água.
— Você pode me dizer quem tem cuidado deste túmulo? — ela indagou.
— Fui-fui eu — gaguejou Freda, perguntando-se se a mulher estaria brava com ela. — Por favor, senhora, fui eu, mas eu não quis fazer mal. Todas as outras garotas tinham um túmulo e eu não, por isso adotei este daqui.
— Você sabia de quem era? — a mulher perguntou gentilmente.
— Sim, senhora... Pertence a Jordan Slade. A Sra. Wilson me contou.
— Jordan Slade era meu irmão — disse a mulher. — Ele infelizmente se perdeu, mas não era de todo mau. Era fraco e facilmente influenciado. Mas quaisquer que tenham sido os seus erros, ele ainda era bom e gentil — Ah! Tão bom gentil e gentil — comigo quando eu era criança. Eu o amava de todo o coração. Sempre desejei voltar e visitar o túmulo dele, mas nunca consegui vir, minha casa fica tão longe. Esperava encontrá-lo abandonado. Não posso descrever como estou feliz e agradecida em encontrá-lo tão bem cuidado. Te agradeço de novo e de novo, querida criança!
— Então você não está brava, senhora? — Freda perguntou animadamente. — E eu posso continuar cuidando dele, posso? Ah, eu não aguentaria ficar sem ele!
— Você pode cuidar dele pelo tempo que quiser, minha querida. Eu vou ajudá-la, também. Vou estar em East Point durante todo o verão. Este será o nosso túmulo — seu e meu.
Aquele verão foi maravilhoso para Freda, que encontrou uma grande amiga na Sra. Halliday. Ela era uma mulher rica. Seu marido havia morrido faz pouco tempo e ela não tinha filhos. Quando foi embora no outono, Freda foi com ela "para ser a sua menininha para sempre". A Sra. Wilson concordou, a contragosto, em abrir mão de Freda, apesar de seus frequentes resmungos sobre ingratidão.
Antes de ir, as duas prestaram uma visita de despedida ao seu túmulo. A Sra. Halliday havia feito um acordo com alguns habitantes de North Point para que o mantivessem bem cuidado, mas Freda chorou ao ter de deixá-lo.
— Não fique triste, querida — a Sra. Halliday a confortou. — Nós voltaremos todo verão para vê-lo. Ele sempre será nosso túmulo.
Freda segurou a mão da Sra. Halliday e sorriu para ela.
— Eu nunca teria te encontrado, tia, se não fosse por esse túmulo — ela disse alegremente. — Estou tão feliz que o adotei.
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